Por qual ou quais motivos fomos levados a jogar Tibia? Sabemos que encontraremos diversas respostas para essa pergunta, como por exemplo: “meu amigo me indicou”, “vi na internet”, “busquei um passatempo” etc. Enfim, cada um terá uma resposta pessoal, embora possam ser encontradas muitas semelhanças entre elas.
Levando em consideração as possíveis respostas, acredito que elas não significam somente o que aparentam significar. Muitos outros motivos podem estar por trás de respostas clichês. Até pode ser que alguém comece a jogar pelos motivos que apresentei anteriormente, mas o que nos leva a continuar jogando este jogo? Essa uma questão cuja resposta não podemos ter acesso, e, dependendo das motivações, muitos jogadores não podem revelá-la. Sendo assim, debrucemo-nos sobre algumas das possíveis razões que parecem ser um pouco mais “tangíveis” quando observamos os frequentes comportamentos dos jogadores no Tibia.
Citemos algumas possíveis motivações: bullying, violência sexual, desejo de poder, baixa autoestima, falta de amigos ou de pessoas com quem conversar e/ ou desabafar. As pessoas que passam por alguns desses e outros problemas procuram um lugar para se afastar dos mesmos. Este lugar pode ser o Tibia, um simples jogo online, no qual é possível interagir com outras pessoas, fazer amizades etc. Pode ser algo muito benéfico para a vida de alguém, porém, também pode ser lugar de encontro com outros problemas, principalmente no caso das mulheres, que são recorrentemente tidas como objetos sexuais.
É possível que indivíduos que já se encontram vulneráveis e frágeis acabem “caindo nos encantos” emanados por determinados jogadores. Arquivos compartilhados podem acabar vazando na rede. Certamente, não são todos os homens que fazem isso – existem aqueles com quem as mulheres podem realmente ter uma forte amizade, pautada no respeito. Homens que se preocupam e que, por vezes, acabam se apaixonando, a ponto de iniciar um relacionamento a distância. Pude presenciar casos como estes ao longo dos meus 9 anos de experiência com o Tibia: relacionamentos amorosos surgiram no contexto tibiano, dois quais alguns terminaram e outros resultaram em casamento. Enfim, é realmente imprevisível.
O fato é que muitos jogadores procuram um lugar para executarem as ações que desejam, ou, então, procuram um certo tipo de refúgio. O Tibia não se mostra um bom espaço para se refugiar? Quem procura alguém para se relacionar, poderá encontrar. Quem procura alguém para oprimir, poderá encontrar. Quem procura diversão, poderá encontrar. Neste imenso universo tibiano, de tudo se ouve, se fala e se vê, melhor dizendo, tudo se lê, se escreve e se vê.
Dialogando os desejos destes atores, ou seja, dos jogadores, com os conceitos de espaço e de lugar, encontramos uma certa ligação entre as ações e as concepções que apresentarei nos parágrafos a seguir. As ações de cada jogador podem ser interpretadas de diferentes maneiras, dependendo de que ângulo as observamos. Daí advém o cuidado para não julgarmos ou agirmos de determinadas formas com as pessoas, uma vez que não sabemos quem realmente elas são, o que passam e o que sentem.
Considerando o espaço como espaço vivido, a importância recai sobre a experiência e pelos sentimentos em relação ao espaço, ou seja, a relação subjetiva e os valores atribuídos ao espaço. O espaço é um espaço investido de significações sociais e culturais preenchido pelo imaginário e por representações. De acordo com Tim Cresswell, o lugar não é um simples resultado de processos sociais. Assim que estabelecido, o lugar é uma ferramenta na criação, manutenção e transformação das relações de dominação, opressão e exploração.
O conceito de lugar, ao longo de sua história, passou por diferentes conceituações, dentre elas: lugar como realidade concreta, individual e única, na geografia clássica francesa; lugar como nexo das redes globais, ponto de disputa e contradição, na geografia marxista; lugar como espaço vivido, experimentado por uma subjetividade, na geografia humanística; lugar como resultado de encontros de pessoas e objetos em uma dada área, num sentido global de lugar na leitura contemporânea.
Todos nós nos encontramos num espaço. O espaço vivido é a maneira com a qual você se relaciona e está relacionado com “as coisas” que nele se encontram, podendo resultar numa experiência positiva ou negativa. Daí surge em algumas pessoas a necessidade de estar num outro espaço, num outro lugar, talvez para fugir de algo, talvez para encontrar algo. Relacionando o pensamento de Tim Cresswell com a realidade tibiana, podemos perceber, ainda que superficialmente, porque existem as chamadas guild dominantes, aquelas que restringem acesso às áreas de hunt, que dão hunted pela simples transferência entre servidores, que retiram jogadores de seus locais de caça… O que faz com que os integrantes destas guilds ajam de tal forma? Ou por que alguém cria ou se junta a esses grupos?
Noto que neste espaço, neste lugar, leia-se o Tibia, de tudo encontramos e de pouco sabemos. Pensamos que pode ser uma coisa, mas na verdade pode ser outra.
3 respostas
Nossa, que matéria incrível. Realmente, eu nunca havia parado pra pensar sobre isso. Existem vários motivos sociais e psicológicos que me fizeram, durante todos esses anos, parar e voltar a jogar Tibia. Enquanto eu lia o texto ia me lembrando dessas vezes em que eu parei e voltei a jogar e a minha mente foi abrindo para esses motivos, caramba, que insight sinistro kkk.
BTW, parabéns pelo texto, pela matéria e pelo mindblow que me causou kkk pelo menos agora tenho algo com que me ocupar na viagem de volta pra casa.
Sem querer ser chatão mas… adoraria saber quais foram seus motivos especificamente. E de quem mais ler esse comentário (postem aí seus motivos, plox). Eu sou muito curioso com essas coisas, me desculpem ><'
Olá, Sandro. Muito obrigada pelo feedback.
No início, quando fui apresentada ao Tibia, eu não queria jogar pelo fato de achar o jogo “chato”. Porém, fui começando a jogar aos poucos e acabei gostando muito. Dentre os motivos que me fizeram continuar jogando Tibia estão os problemas referentes às relações sociais na vida real, como, por exemplo, bullying e pouca interação com as pessoas/amigos/familiares.